sexta-feira, 24 de maio de 2013
Santa Sara Kali
Os mais emocionados ciganos dão tratamento especial à Sara. Alguns, num rito secreto que acontece à sombra da cripta banhada pela luz espectral das velas, onde ...está a sua imagem, segredam-lhe nos lábios venturas e desventuras em beijos e carícias. Isso mesmo. Alguns beijam a boca de Sara, como se beija a uma amante querida. Parecem querer sugar dos lábios da imagem uma enegia fundamental para renovação da sua força, coragem, magia e de seu ânimo. Isto explica o porquê de estar desgastada a pintura do rosto da imagem.
A imagem de Sara é muito antiga, a pintura revela a base do gesso em que está esculpida. O azul e branco da obra sacra não é sempre observado. Anteriormente tinha uma única cor.
Curiosamente, a imagem emana uma energia quase mágica. Parece que de tanto ser depositária da fé e dos carinhos dos ciganos, a imagem de Sara ganha vida e força como se estivesse eletrizada. Funciona como um símbolo mágico e poderoso para os ciganos, e por isso mesmo Santa Sara é o fio condutor da energia do céu e da terra para o povo Rom.
Tocar a imagem já é uma grande benção para aqueles que vão às Saintes-Maries-de-la-Mer, atravessam a pequena Igreja-fotaleza, descem os degraus sob o altar-mor apenas para estar na câmara ardente de tantas velas, onde está Sara.
O que vem acontecendo e deixado muitos ciganos indignados, é a profanação e o desrespeito dos turistas que não acompanham o sentido da peregrinação de Santa Sara.
Numa dessa vezes, um dos ciganos presentes na cripta ofendeu-se de duas moças usando shorts e mini-saia. Pareciam, segundo ele, estarem numa feira de artesanato no centro das praças da cidade. O homem enfureceu-se, bradou e reclamos com todos, sentiu-se ultrajado em sua fé.
Tirou o xale que repousava sobre os ombros da sua mulher-cigana e cobriu a imagem de Sara.
Sara parecia desabrochar num sorriso úmido, em meio a quentura das velas. O homem, aliviado, colocou-se diante dela, assim meio que cabisbaixo e reflexivo, porém com uma dignidade que cintilava.
A turba aos poucos, foi percebendo a gravidade do erro, a indiferença diante do sentimento de fé dos ciganos. Um a um foram se colocando ao redor do homem para vê-lo beijar a fronte e a boca de Sara, reverenciando a Mãe-mulher, aquela que dá a luz, e consegue entre dias e noites conduzir-lhe o sono, apenas com um leve toque de mão nos cabelos.
Por causa do gesto de beijar os lábios de Sara e da maneira muito íntima com que os ciganos se referem a ela, alguns historiadores e não-ciganos resolveram radicalizar em suas interpretações. Sara, para estas pessoas é apenas um ícone, um símbolo utilizado para a magia e outros rituais dos ciganos, inclusive o de acasalamento e fertilização das mulheres. Porém calam os ciganos sobre o assunto e gozam do benefício da dúvida.
Sara é uma Santa católica embora a Igreja francesa a tenha como uma Santa de culto regional. Se viveu ou não com os ciganos, isto é o que pouco importa para os que hoje caminham sobre a Terra. Sara é imagem da mãe que desejam amar e cultuar. Tão poderosa e tão humana que parece dialogar com eles em suas dificuldades, operando inúmeros milagres, frutos unicamente de uma fé muito bem solidificada.
A imagem de Sara ganhava vida, porque os ciganos e devotos lhe emprestavam vida. É assim que acontece quando queremos animar um objeto. Somos nós humanos que damos vida e enegia aos seres inanimados, transformando-os em verdadeiros objetos de poder e talismãs. Por isso, muitas imagens choram. A transformação da energia humana se dá intensamente, enegizando-a.
E é mesmo verdade que os padres deixam de lado as manifestações exageradas dos ciganos. Acho mesmo que eles nunca observaram a expressão da imagem de Santa Sara, por que seriam capazes de impedir o culto e principalmente a vigília dos ciganos.
Ou ainda melhor: entender o que se passava ali e tornarem-se encantados coma magia maravilhosamente sutil e poderosa dos ciganos, o que justificaria o rompimento dos laços de formalidade da instituição que representam. É melhor não se envolver. Qualquer intransigência afastaria o povo das estradas do Catolicismo, eles não hesitariam em levar a imagem de Santa Sara dali, só para reverenciá-la em outro lugar de paz e aconchego.
(Transcrito do Livro "Os mistérios de Santa Sara Kali - Sibyla Rudana)
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